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HISTÓRIAS DO ARQUIVO SETORIAL DO ICJ: A OCUPAÇÃO DA FACULDADE DE DIREITO DA UFPA E A REPRESSÃO MILITAR

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Entre 1968 e 1969, a Faculdade de Direito da UFPA foi palco de importantes manifestações, como a ocupação estudantil articulada com outras unidades da universidade em reação à intensificação da repressão promovida pelo Governo Militar. O episódio ocorreu no contexto do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que acentuou o autoritarismo. Os estudantes protestavam contra a falta de autonomia acadêmica, as perseguições a docentes e discentes e a imposição da Reforma Universitária de 1968, que alinhava a estrutura do ensino superior aos interesses do regime.

A resposta institucional foi severa. Estudantes foram presos e processados; professores e demais funcionários foram vigiados e, em alguns casos, punidos. O então reitor, José da Silveira Neto, colaborou com órgãos de repressão e implementou medidas de controle sobre a universidade. Registros administrativos e relatórios mostram que a repressão foi sistemática, instaurando um clima de censura e medo. Nesse sentido, a ocupação da Faculdade de Direito da UFPA é um capítulo crucial da história da resistência ao autoritarismo no Brasil. A documentação preservada nos arquivos do ICJ constitui um valioso acervo de fontes sobre o período e permite reconstruir, a partir das vozes daqueles que resistiram, a memória de uma universidade que também lutou pela democracia.

Essa e outras histórias do ICJ foram descobertas na quase inaugural oportunidade de acesso às documentações do Instituto de Ciências Jurídicas (ICJ) da Universidade Federal do Pará (UFPA). Na ocasião, um grupo de alunos do curso de Licenciatura em História — Juliane Souza, Leonardo Ryon, Thamires Santos e Iris Nascimento — foi apresentado a uma riqueza documental até então encaixotada, empoeirada e subaproveitada.

O Arquivo Setorial do ICJ está localizado no prédio do Instituto, sob a supervisão do servidor arquivista Eduardo Amaral Martins, que atua há quase 40 anos no setor. A história do Arquivo está profundamente entrelaçada com a trajetória institucional do próprio ICJ. Com mais de um século de existência, o Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA tem uma história marcante que remonta à fundação da Faculdade Livre de Direito, em 1902. A criação do Arquivo Setorial surge, portanto, como um esforço de preservar os mais de 100 anos de história do Instituto, abarcando documentos que testemunham não apenas sua trajetória institucional, mas também momentos cruciais da história nacional, como o período da ditadura militar (1964-1985).

Dentro desse recorte histórico, a pesquisa concentrou-se em analisar como a Faculdade de Direito foi impactada pela Ditadura Militar e quais foram as respostas do movimento estudantil universitário. Embora marcado pela repressão, esse período também foi palco de resistência, liderada sobretudo por jovens que arriscaram suas vidas. Lutavam pelo direito à educação, pela liberdade de expressão e pela possibilidade de se manifestar publicamente. Como afirmou em 1968 o professor da Faculdade de Direito da UFPA, Dr. Sílvio Augusto de Bastos Meira: “Ninguém se iluda, a juventude nunca foi derrotada: a história bem demonstra que a juventude nunca foi derrotada” (UFPA, 1968).

Evidencia-se a importância do Arquivo do ICJ da UFPA como um acervo singular e possivelmente mais completo sobre a Ditadura Militar de 1964, destacando a escassez de documentação similar em outros lugares. Os diversos documentos revelam o controle exercido sobre estudantes e professores, incluindo interpelações ao Diretório Acadêmico, restrições à manifestação de pensamento e listagem de alunos militares. Além disso, destacam a forte presença militar na universidade, com comunicações entre o Comando Militar da Amazônia e a faculdade sobre a situação militar dos alunos e palestras de figuras ligadas ao regime, como Jarbas Passarinho. Também há registros que demonstram a repressão e vigilância dentro da instituição, como solicitações de segurança extra em períodos eleitorais, suspensão de representações estudantis. Paralelamente, os documentos evidenciam o uso da faculdade para propaganda e doutrinação, com convites para solenidades cívico-militares e incentivos à integração da Amazônia ao país sob ideais nacionalistas. No entanto, há também registros de resistência e censura dentro da universidade, como os jornais acadêmicos Jornal Chão e Jornal Ubaldo, que denunciavam repressões no ambiente universitário.

Embora o foco das atividades dos estagiários tenha sido a análise da documentação referente ao período da Ditadura Militar de 1964, ressaltamos as possibilidades de pesquisa existentes com a documentação disponível desde a primeira parte do século XX. Nas temáticas sobre gênero, podem ser desenvolvidas pesquisas com as relações de alunos ingressantes e concluintes, que mostram a quantidade de mulheres que faziam o curso de Direito, assim como das relações de funcionários, que mostram cargos de trabalho ocupados por mulheres no Instituto e em outros setores da Universidade. O tema da migração também pode ser abordado, com a quantidade de alunos estrangeiros que aparecem nas planilhas de estudantes, assim como as mobilidades nacionais, de outras universidades para a UFPA. É válido se perguntar se essas mobilidades demonstram a relevância da Faculdade no contexto nacional, mesmo com a recente criação da UFPA, em 1957.

As possibilidades de pesquisa jurídica no arquivo e história ditatorial através da instituição são muitas e ainda pouco visadas pela comunidade acadêmica. Nesse sentido, ratificamos que essa documentação reflete o impacto do regime militar sobre a UFPA, evidenciando os mecanismos de controle e alinhamento institucional ao governo, ao mesmo tempo em que demonstra tentativas de resistência no meio acadêmico, podendo ser apropriada pelos alunos e professores em suas pesquisas e práticas. Uma vez que essa documentação não apenas remonta à história do Instituto, como também reflete as transformações administrativas e acadêmicas da Universidade ao longo das décadas, funcionando como um reflexo do contexto histórico brasileiro.

Concluímos que é difícil determinar com precisão o posicionamento do Instituto de Ciências Jurídicas frente à ditadura militar, visto que o departamento mantinha laços comunicativos com um periódico ambíguo em seu discurso, manifestando apoio nos anos iniciais do golpe de 1964, mas funcionando como veículo crítico e de resistência indireta em anos posteriores. A documentação revela a complexidade de analisar instituições acadêmicas, como o ICJ, durante os anos de chumbo, além de demonstrar como a associação aos meios de comunicação impressos podem dificultar esse processo.  

Dessa forma, convidamos toda a comunidade acadêmica a (re)conhecer o Arquivo Setorial do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA como um espaço de pesquisa ativa, fundamental para a reconstrução do passado e para a reflexão crítica sobre a história institucional e política brasileira, especialmente durante os anos de chumbo. Como resultado do estágio desenvolvido, está disponível um catálogo documental com registros de interesse público, acessíveis presencialmente no Arquivo do ICJ, de segunda a sexta-feira, das 9h às 15h.

Autores: Iris Carvalho Nascimento, Juliane de Miranda Souza, Leonardo Ryon Alves dos Santos e Thamires Gabriele Santos Silva

Para acessar o documento contendo o catálogo, clique aqui.

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