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RECONTANDO HISTÓRIAS: AURÉLIO CORREA DO CARMO - ENTRE A JUSTIÇA E A DITADURA

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RECONTANDO HISTÓRIAS: AURÉLIO DO CARMO – ENTRE A JUSTIÇA E O SILÊNCIO DE 1964

 

Em 1964, o Brasil mergulhava em um dos períodos mais sombrios de sua história: a ditadura militar. Em Belém do Pará, os ecos do golpe que depôs o presidente João Goulart chegaram rapidamente, alterando o cotidiano da cidade e o ambiente político e intelectual. Nesse mês é importante falarmos de um importante egresso de nossa Faculdade, cuja história se alinha com esse período histórico doloroso de nosso país.

 

Nos primeiros dias de abril daquele ano, a capital paraense foi tomada por um clima de tensão e vigilância. Intervenções militares se espalharam por instituições públicas, sindicatos e associações estudantis. Professores e estudantes passaram a ser vigiados, e o medo se tornou presença constante nos corredores universitários. O discurso de defesa da “ordem” e da “segurança nacional” começou a justificar prisões, cassações e silenciamentos.

 

Nesse momento, o governador do Pará era Aurélio Corrêa do Carmo, figura central da política e do Direito paraense. Nascido em Belém em 31 de janeiro de 1922, formou-se em Direito pela tradicional Faculdade de Direito do Pará em 1944, mesma instituição que formou várias gerações de juristas e lideranças do estado. Ainda jovem, exerceu uma trajetória marcada pela atuação pública: foi promotor, delegado, chefe de polícia e professor de Direito Penal. Sua carreira era o retrato de uma geração de servidores e intelectuais que acreditavam na administração pública como instrumento de transformação social.

 

Eleito governador em 1960, pelo Partido Social Democrático (PSD), assumiu o cargo em 31 de janeiro de 1961, com um discurso voltado ao desenvolvimento e à modernização do estado. Durante seu governo, foram criadas as Centrais Elétricas do Pará (Celpa) e o Banco do Estado do Pará (Banpará) — instituições que deixaram marcas duradouras na estrutura econômica paraense.

 

Entretanto, com a deflagração do golpe militar de 1964, a trajetória de Aurélio do Carmo tomou um rumo inesperado. Relutante em apoiar publicamente a ruptura democrática, acabou, ainda assim, figurando entre os signatários do Manifesto ao Povo do Pará, documento que declarava apoio aos militares. O gesto, no entanto, não impediu que, poucos meses depois, fosse cassado e afastado do cargo, acusado de corrupção — uma acusação política e sem provas, utilizada à época para eliminar adversários e consolidar o poder do novo regime.

 

Em junho daquele mesmo ano, teve seus direitos políticos suspensos por dez anos, com base no Ato Institucional nº 1. O homem que até então ocupara o mais alto cargo do estado passou a viver sob a sombra da perseguição e do exílio político. Transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde exerceu a advocacia até recuperar seus direitos e retornar ao Pará.

 

Em 1985, retomou sua trajetória jurídica ao ser nomeado Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Pará função que exerceu até 1992, quando se aposentou. Entre sentenças e audiências, manteve firme a convicção de que a Justiça deveria ser o espaço da razão e da memória, mesmo em tempos de esquecimento.

 

Aurélio do Carmo faleceu em 1º de maio de 2020, aos 98 anos, deixando um legado marcado por paradoxos e por uma trajetória que atravessa alguns dos momentos mais complexos da história política e institucional do Pará. Sua vida reflete a transição de um tempo em que a palavra “democracia” foi silenciada, mas não esquecida — um tempo em que homens e mulheres do Direito se viram diante do dilema de servir à lei ou resistir por ela.

 

Ao recontarmos sua história, revisitamos também a própria história da Faculdade de Direito do Pará, espaço que o formou e que, como ele, viveu os abalos e silenciamentos da ditadura. É por meio de trajetórias como a de Aurélio Corrêa do Carmo que compreendemos o quanto o Direito — em meio às contradições de seu tempo — foi palco de disputas, escolhas e esperanças.

 

Juliane de Miranda Souza

Graduada em História/UFPA.



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